
O crescimento acelerado das cidades angolanas impõe desafios significativos à política de desenvolvimento urbano, particularmente no que concerne à habitação social, ao acesso a serviços essenciais e à implementação de sistemas eficientes de saneamento básico.
A urbanização desordenada, impulsionada pelo êxodo rural e pela procura de melhores condições de vida, sobrecarrega as infra-estruturas existentes e exige uma abordagem estratégica e sustentável para garantir condições dignas à população.
O desenvolvimento urbano é um factor essencial para o crescimento económico e para a redução das desigualdades sociais. Segundo Lefebvre (1970), o direito à cidade não se limita ao acesso físico ao espaço urbano, mas envolve a participação activa dos cidadãos na construção e transformação do meio urbano. Em Angola, esse direito é frequentemente comprometido por desafios estruturais e pela carência de políticas urbanas eficazes.
Habitação Social: Um Pilar da Inclusão Urbana
A escassez de moradias acessíveis constitui um dos maiores entraves ao desenvolvimento urbano em Angola. O Programa Nacional de Urbanismo e Habitação (PNUH) foi criado com o objectivo de reduzir o défice habitacional e promover a construção de habitações sociais e projectos de urbanização integrada. Contudo, as dificuldades no acesso ao financiamento habitacional, os elevados custos de construção e a fraca regulamentação do mercado imobiliário impedem que grande parte da população beneficie dessas iniciativas (Fernandes, 2011).
As centralidades, um dos principais projectos habitacionais do Governo, surgiram como uma tentativa de oferecer moradias a preços acessíveis e reduzir a pressão sobre as zonas centrais das cidades. No entanto, problemas como a baixa taxa de ocupação, dificuldades no pagamento das prestações e falta de infra-estruturas complementares comprometem a eficácia desses projectos (Tavares, 2018). Para reverter esse quadro, é fundamental que as políticas de habitação social incluam mecanismos de subsídios e facilidades de crédito para famílias de baixa renda.
Valorização da Tipologia Habitacional Comunitária
Para além dos modelos convencionais de habitação social, é essencial valorizar a tipologia habitacional comunitária, que reflicta as dinâmicas culturais e socioeconómicas das populações locais. Segundo Turner (1976), a autoconstrução e o envolvimento das comunidades na edificação das suas próprias habitações resultam em soluções mais adaptadas às necessidades dos moradores, promovendo inclusão e apropriação dos espaços urbanos.
Em Angola, iniciativas que incentivem o uso de materiais de construção locais, técnicas tradicionais e participação comunitária podem reduzir custos e aumentar a sustentabilidade dos projectos habitacionais.
Além disso, o reconhecimento e a legalização de bairros auto-organizados permitiriam melhorar o acesso a serviços básicos e garantir maior segurança jurídica aos moradores. Dessa forma, a tipologia habitacional comunitária deve ser integrada às políticas de urbanização como uma alternativa viável e alinhada à realidade socioeconómica angolana (Santos, 2019).
Serviços Sociais e Infra-estrutura Urbana
O desenvolvimento urbano sustentável exige uma melhoria significativa dos serviços sociais. A oferta de educação, saúde, transportes e segurança deve acompanhar o crescimento populacional para evitar o agravamento das desigualdades. Estudos de Jacobs (1961) destacam que a vitalidade de uma cidade depende da qualidade dos serviços urbanos e da integração entre diferentes espaços sociais.
Em Angola, a carência de infra-estruturas básicas ainda afecta grande parte da população, especialmente nos bairros periféricos. O acesso à educação e saúde de qualidade continua a ser um desafio, reflectindo-se nos baixos índices de desenvolvimento humano (PNUD, 2022). Além disso, a falta de mobilidade urbana eficiente contribui para congestionamentos, perda de produtividade e dificuldades no acesso a oportunidades económicas.
Para mitigar esses problemas, torna-se essencial investir em modelos de gestão urbana inovadores, com a implementação de soluções tecnológicas para melhorar a eficiência dos serviços públicos. A digitalização da administração municipal, aliada a políticas de participação comunitária, pode garantir maior transparência e eficiência na gestão dos recursos urbanos (Castells, 1996).
Saneamento Básico e Saúde Pública
A falta de saneamento básico continua a ser um problema crítico em muitas zonas urbanas e periurbanas de Angola.
O acesso limitado a água potável e a inexistência de sistemas eficientes de esgoto têm impactos directos na saúde pública, aumentando a incidência de doenças como cólera, diarreias e malária (WHO, 2021). Estudos de Sachs (2005) demonstram que a infra-estrutura de saneamento básico está directamente relacionada ao desenvolvimento socioeconómico, sendo um dos principais indicadores de qualidade de vida.
O Governo angolano tem adoptado iniciativas como o Programa Água para Todos e projectos de requalificação urbana para melhorar as condições de saneamento, mas a implementação dessas políticas enfrenta desafios relacionados à sustentabilidade financeira e à manutenção das infra-estruturas existentes. A descentralização da gestão do saneamento e o envolvimento do sector privado podem contribuir para a ampliação do acesso aos serviços básicos e para a redução do impacto ambiental do crescimento urbano (Silva, 2020).
Valorização do Registo Predial e sua Importância Fiscal
Um dos aspectos fundamentais para o fortalecimento do desenvolvimento urbano e a sustentabilidade financeira dos municípios é a valorização das políticas de registo predial.
Em muitos casos, a ausência de títulos de propriedade impede que os imóveis sejam utilizados como garantia para financiamentos e dificulta a arrecadação tributária municipal.
De acordo com De Soto (2000), a formalização da posse da terra é um dos factores mais relevantes para a inclusão económica das populações de baixa renda, pois permite a sua integração no mercado formal.
A regularização fundiária e o registo predial não apenas conferem segurança jurídica aos proprietários, mas também criam uma base sólida para o aumento da arrecadação fiscal nos municípios.
O Imposto Predial Urbano (IPU) e outras contribuições relacionadas à propriedade podem ser fontes importantes de financiamento para os orçamentos das unidades territoriais municipais, permitindo investimentos em infra-estruturas, saneamento e serviços públicos.
Descentralização Administrativa e Valorização das Autarquias Locais
A efectivação de projectos urbanísticos e habitacionais em Angola está directamente ligada à descentralização administrativa e ao fortalecimento das autarquias locais. Como destaca Ostrom (1990), a descentralização permite que a gestão pública seja mais eficiente, pois aproxima o processo de tomada de decisão das realidades locais, promovendo maior participação popular e melhor alocação de recursos.
Com a implementação das autarquias locais, os municípios terão maior autonomia para planear e executar projectos de desenvolvimento urbano, adequando-os às suas especificidades territoriais. Além disso, a arrecadação de impostos municipais, como o Imposto Predial Urbano (IPU), poderá ser revertida directamente para o financiamento de infra-estruturas e serviços essenciais. Estudos de Rondinelli (1983) demonstram que países que adoptaram a descentralização administrativa registaram melhorias significativas na eficiência da gestão urbana e na prestação de serviços públicos.
Portanto, o futuro das cidades angolanas depende de políticas integradas que combinem habitação, saneamento, serviços urbanos e descentralização administrativa. Para tal, é essencial adoptar estratégias inovadoras que promovam a inclusão social, a participação comunitária e o fortalecimento das autarquias locais como protagonistas do desenvolvimento urbano.
Como enfatiza Harvey (2012), a cidade deve ser um espaço de direitos, onde todos possam usufruir das oportunidades que ela oferece.
In Ck