Tribunal de Amesterdão condena Isabel dos Santos e Mário Leite da Silva por má gestão na Esperaza Holding
Decisão holandesa revela detalhes inéditos de um esquema milionário envolvendo a Sonangol e empresas controladas pela empresária angolana
Tribunal de Amesterdão condena Isabel dos Santos e Mário Leite da Silva por má gestão na Esperaza Holding
O Tribunal de Recurso de Amesterdão condenou Isabel dos Santos, o gestor português Mário Leite da Silva, o ex-CFO da Sonangol Sarju Raikundalia e outros antigos colaboradores da empresária por má gestão da Esperaza Holding BV — empresa sedeada nos Países Baixos e envolvida em negócios estruturantes para a presença angolana no sector energético europeu, nomeadamente na Galp Energia —, segundo informações avançadas pela CNN Portugal.
A sentença, com 44 páginas, confirma uma longa investigação judicial e administrativa iniciada há anos nos Países Baixos, centrada na chamada “transação Exem”, que remonta a 2006 e envolveu a transferência de participações da petrolífera estatal angolana Sonangol para a Exem Energy, uma empresa controlada por Isabel dos Santos e pelo falecido marido, Sindika Dokolo.
Segundo documentos obtidos pela CNN Portugal, os juízes concluíram que Isabel dos Santos, com a colaboração direta de Mário Leite da Silva e outros intervenientes, orquestrou um esquema de retirada ilícita de mais de 130 milhões de dólares da Sonangol e 52,6 milhões de euros da Esperaza, através de decisões retroativas e juridicamente inválidas, tomadas já após a sua demissão da administração da Sonangol, em novembro de 2017, pelo então recém-empossado Presidente João Lourenço.
Esquema complexo e testemunhos inéditos
O caso foi julgado na Câmara das Sociedades do Tribunal de Recurso de Amesterdão, uma secção especializada em disputas comerciais internacionais. O processo revelou um enredo financeiro com ramificações em Portugal, Angola, Emirados Árabes Unidos e Ilhas Virgens Britânicas, e assenta em centenas de documentos bancários, emails e testemunhos, incluindo um depoimento exclusivo de Mário Leite da Silva, gravado num hotel do Porto em 2022 por investigadores holandeses.
Apesar de Leite da Silva ter garantido estar inocente e ter apenas cumprido ordens, o tribunal considerou que o gestor português teve um papel ativo no esquema, assinando deliberações e instruindo advogados para redigirem documentos com data anterior à destituição de Isabel dos Santos, numa tentativa de validar juridicamente operações milionárias.
Os juízes foram taxativos: “Mário Leite da Silva participou conscientemente na ocultação de documentos que tentaram criar a aparência, contrária à verdade, de que a tomada de decisão e a ordem de pagamento [dos dividendos à Exem] ocorreram antes da demissão de Isabel dos Santos”.
O papel da Matter e os milhões desviados
Um dos episódios mais ilustrativos da operação descrita pelos peritos holandeses envolve a Matter Business Solutions, empresa criada no Dubai em fevereiro de 2017, formalmente dirigida por Mário Leite da Silva e Paula Oliveira, mas alegadamente controlada por Isabel dos Santos.
Entre 14 e 16 de novembro de 2017 — dias imediatamente posteriores à sua saída da Sonangol —, a Matter emitiu dezenas de faturas no valor total de cerca de 50 milhões de euros, enviadas à subsidiária britânica da Sonangol, que autorizou os pagamentos para contas nos Emirados Árabes Unidos. O relatório dos peritos assinala que estas decisões foram tomadas à pressa e sem fundamentação técnica, por vezes até sem pareceres fiscais.
Um email analisado pelos investigadores evidencia o clima de urgência e opacidade: “Estão à espera que isto seja assinado” e “não teremos tempo de pedir a um consultor fiscal”.
A Exem Energy, formalmente falida desde maio de 2022, continua a ser alvo de investigações criminais em Portugal, Angola e nos Países Baixos. Neste último, o Ministério Público instaurou medidas cautelares sobre os ativos da empresa, incluindo ações na Esperaza, a pedido da petrolífera angolana.
Mário Leite da Silva, entretanto, regressou a Portugal, onde atualmente exerce funções em várias empresas de Domingos de Matos, acionista do grupo Medialivre (proprietário da CMTV, CM, Record e Jornal de Negócios). Apesar de ter sido contactado pela CNN Portugal, o gestor não prestou declarações sobre o caso.
Uma decisão que pode abrir caminho a indemnizações
A decisão judicial holandesa impôs aos condenados o pagamento solidário de 181.500 euros em custos judiciais, além de abrir a porta para futuras ações indemnizatórias por parte da Sonangol. A investigação teve acesso a vários documentos inéditos e estabelece com detalhe o funcionamento de um circuito financeiro internacional que permitiu à filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos movimentar dezenas de milhões de euros em poucos dias, após perder o controlo da petrolífera angolana.
Com base em todas as provas, o Tribunal de Recurso de Amesterdão concluiu:
“Isabel dos Santos, com a colaboração de Raikundalia, Manuel Lemos, Mário Leite da Silva, Konema Mwenenge e Robert Van Lier, e usando decisões falsas, porque retroativas e incorretas, enriqueceu à custa da Esperaza (e/ou da Sonangol) ao mandar pagar à Exem um montante de 52,6 milhões de euros em dividendos, sem estar autorizada a fazê-lo.”
Este é o primeiro de uma série de artigos sobre os bastidores do processo de condenação de Isabel dos Santos na justiça holandesa, com base em documentos exclusivos a que a CNN Portugal teve acesso. O Novo Jornal acompanhará os próximos desenvolvimentos.
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